Sunday, April 11, 2010

Cap. 4 - Partidas (Parte III)

Desculpem-me a longa demora nas atualizações, mas me dediquei muito a melhorar o Fórum do Projeto e também a outros afazares. Esta semana pretendo atualizar mais de uma vez para compensá-los. E mesmo o pedaço que coloquei hoje no ar já tem uma compensação, umas duas páginas a mais do que normalmente coloco. E, como sempre, aos que só chegaram ao site agora, vocês podem conferir os primeiros capítulos da história clicando aqui.




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Após deixar os aposentos reais, Gabriel ordenou a um de seus mensageiros que coordenasse uma reunião da cúpula do exército antes de seguir rapidamente para a sua casa, onde sua esposa provavelmente estaria. O general tinha consciência de que sua partida para o reino de Sir Lance tornaria as coisas muito mais fáceis para aqueles que se opunham às decisões de Thomas. Infelizmente, seu velho mestre parecia cada dia pior, cada vez mais debilitado. Era por isso que precisava ter certeza de que tudo ficaria bem, de que todos os opositores seriam colocados em seu devido lugar.

- Liah, preciso falar com você. – disse o general, assim que entrou em sua casa e encontrou com sua mulher na carpintaria.

Liah Tarathon também era uma figura conhecida em todo reino. Era uma mulher destemida e habilidosa, a melhor arqueira que a cidade já vira. Em geral, as mulheres que se envolviam em guerras preferiam combater com o arco; as armas e armaduras utilizadas por cavaleiros e por soldados de infantaria eram muitas vezes pesadas demais para a estrutura física feminina. E Liah era definitivamente extraordinária: comandava os arqueiros que serviam ao rei e estava a poucos passos de também se tornar um general.

- O que foi? Algum problema com Sir Brickmond? – ela perguntou, enquanto prendia habilmente uma ponta de metal a uma das flechas que construía.

Gabriel se sentou ao seu lado, apoiando-se na mesa de madeira que usavam para trabalhar em suas armas; sua expressão era séria, de quem estava realmente preocupado. Fazia tempos que Liah não o via daquela maneira.

- Preciso deixar a cidade. Thomas me pediu para ir até o reino de Sir Lance.

- Uhm... e você está preocupado?

- Sim... claro. – o general se levantou com um ar pensativo; mantinha a cabeça baixa – Muitos nobres já começam a se voltar contra ele... alguns homens importantes do exército também.

Liah colocou cautelosamente a flecha sobre a bancada e fitou Gabriel com calma, sabia que ele queria lhe dizer alguma coisa. Ela sorriu.

- E quais são seus planos? Você sempre tem um.

O general levantou a cabeça e a fitou longamente. Por alguns momentos, até se esqueceu daquilo que pretendia dizer; lembrou-se de como gostava de observar Liah, de como se encantava ao confrontar o seu olhar sincero e perspicaz, o olhar de uma amante e também de uma guerreira. Ela tinha a capacidade de lê-lo, de conhecê-lo mais até do que ele mesmo, era surpreendente.

- Mandei que reunissem os generais. Irei deixá-la em meu lugar. Se você ficar como minha representante aqui, de repente pode evitar que eles se mobilizem.

Liah caminhou na direção de Gabriel e o abraçou carinhosamente.

- E você acha que eles vão aceitar?

- Eles têm de aceitar. Eu sou o general no comando, minhas decisões são quase como as decisões reais, apenas Thomas poderia revogá-las.

- Tudo bem, então, eu fico no seu lugar, faço o que me pediu.

Gabriel sorriu e depois lhe deu um beijo longo e apaixonado. Tinha certeza de que somente ela seria capaz de impedir uma insurreição.

- Então, venha. Vamos até a cúpula dos generais.

Os dois saíram de casa apressados, mas procuravam evitar qualquer demonstração de ansiedade. Se algum espião de outro nobre ou general os visse desequilibrados emocionalmente durante o caminho, tal informação poderia prejudicá-los no decorrer da reunião. Nestes tipos de situação, era essencial demonstrar confiança, o punho firme da autoridade real e militar; era preciso ter todos os presentes sob controle.

Foi por isso que Gabriel entrou no salão de forma imponente, mal dando tempo para que os demais o cumprimentassem antes de começar a dar as suas ordens. Demonstrava pressa e certeza; esperava terminar tudo antes de qualquer um poder confrontá-lo.

- Partirei hoje para o reino de Sir Lance. Não pensem que deixarei a cidade sozinha. Meus exércitos ficam, estarão sob o comando de minha mulher, Liah. – ao dizer isso, Gabriel fez um gesto delicado com a mão direita na direção de sua mulher, que agora se encontrava mais ao fundo do salão, uma vez que oficialmente não fazia parte da cúpula.

- Não acha que estará dando muito poder a uma reles comandante? – indagou um dos nobres presentes.

- Enquanto eu estiver fora, ela será minha representante, ficará com o cargo de supremo general.

Gabriel permanecia de pé, embora todos os membros da cúpula estivessem sentados; assim ele pretendia transmitir a idéia de que estava com pressa, de que não abriria a sessão para discussões. A manobra, porém, não deu muito certo: o general Malenberg, que seria naturalmente o seu sucessor, logo se levantou em protesto.

- Isso é ultrajante! Quem garante que ela tem a capacidade para comandar os seus exércitos, os dela e ainda tomar as decisões de um supremo general?

- Sente-se agora, Malenberg! – Gabriel soou extremamente severo e convicto. – Não lhe dei o direito de se pronunciar. Você que tanto aprecia os regulamentos, deveria dar o exemplo: só fale quando o seu superior permitir.

A cúpula ficou em silêncio, alguns nobres chegaram a baixar a cabeça. O general Malenberg se sentou, ainda um pouco relutante e irritado.

- Esta é minha decisão e, como sabemos, só pode ser revogada pelo Rei. Partirei agora, sozinho. Meus exércitos estarão à disposição de Liah. E a partir de agora vocês devem obediência a ela.

- Está certo, senhor. – disse Malenberg, com um pouco de desgosto em sua voz. – Mas por que irá partir sozinho? Não acha arriscado?

- Não. Sozinho poderei me locomover muito mais rapidamente. Preciso alcançar Sir Lance o quanto antes.

Assim que terminou de falar, Gabriel se virou e deixou o salão a passos firmes e apressados. Os nobres e generais presentes ficaram alguns segundos calados, ainda digerindo tudo o que acontecera. Depois, viraram-se para Liah, que agora se deslocava para a posição central da mesa da cúpula. De agora em diante, seria ela quem daria as cartas.

- A reunião está finalizada, voltem aos seus afazeres.




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James ficou sem reação ao receber das mãos de Sir Thomas Brickmond, o lendário cavaleiro que salvara a humanidade, um homem que batalhara ao lado de seu pai, as armas mágicas construídas pelas fadas, o escudo e a espada que tinham derrotado o dragão mais cruel que já existira. Sua mãe e seu irmão também pareciam incrédulos. Era inacreditável. Só de poder ver aquelas armas de perto já se sentiriam felizes. Saber que James as portaria, então, deixava-os radiantes e orgulhosos. Ainda assim, era difícil imaginá-lo partir tão jovem em uma empreitada que parecia tão importante.

- Quero que as leve consigo. Ninguém pode dizer ao certo que perigos encontrarão pelo caminho. Espero que as armas sirvam para protegê-lo, que elas nos ajudem a salvar nosso povo por mais uma vez. – recitou Sir Brickmond enquanto dava a sua bênção a James e a Lanir com um gesto lento e sutil de sua mão direita.

Os dois se abaixaram e fizeram uma longa reverência, acompanhados por Irina e Davis. Era um prazer muito grande receber as armas e a bênção de um homem tão grandioso como Sir Thomas Brickmond.

- Agora que já nos deu tudo de que precisaremos para a viagem, partiremos o mais rápido possível. – disse Lanir, ao se levantar. – Já havia ordenado que providenciassem cavalos e suprimentos para a viagem. É bom que não nos demoremos. É bom também que sigamos em total segredo.

Sir Brickmond assentiu e, novamente através de um gesto de sua mão direita, deu permissão para que todos se retirassem. Lentamente, Davis, Irina, James e Lanir deixaram a sala do trono.

- Já está tudo preparado. Vamos embora agora. – afirmou o mensageiro. – Se quiserem se despedir, por favor, sejam breves. Esperarei na estrebaria.

- Está bem. Eu te encontro lá. – disse James, com um meio-sorriso. Não sabia se devia ficar feliz ou triste com sua partida. Ficaria longe de sua família, mas também se envolveria numa aventura, num mundo com o qual sonhara desde muito pequeno, um universo ao qual seu pai pertencera, ao qual seu irmão pertencia.

Finalmente começava a se enxergar como um adulto, um homem capaz de cuidar de si, sem a ajuda de outros, por mais novo que ainda fosse. Ao mesmo tempo, sentia-se desamparado, com medo. Nunca ficara longe de sua mãe e de seu irmão; seu querido irmão que por tanto tempo o protegera. Como seria partir para um lugar desconhecido sob a tutela de um estranho?

- Filho, - iniciou a sua mãe enquanto lutava contra as lágrimas e lhe dava um abraço carinhoso. – eu sempre soube que você era especial. Vá despreocupado. Eu vou ficar bem, você sabe que o Davis vai cuidar bem de mim. Ele sempre cuidou. – ela sorria.

- É. Pode partir despreocupado, irmãozinho! Nós vamos ficar bem. E vamos esperar por você aqui, dia após dia. – afirmou Davis, que também estampava um sorriso no rosto. – E acho melhor você ir logo, aquele homem parecia estar com muita pressa.

James fitou sua mãe e seu irmão com os olhos marejados, sabia que sentiria muita falta deles. Mas agora era realmente a hora de partir, ele sabia disso.

- Espero voltar em breve.

- Nós também.

O garoto tomou coragem, virou-se e desceu correndo as escadarias do castelo em direção à estrebaria. Era melhor sair dali antes que mudasse de idéia. Quanto mais cedo pudesse se deixar envolver pela aventura, melhor. Só assim o medo de ficar longe de sua família começaria a ser superado, ou quem sabe até mesmo esquecido: era hora de amadurecer.

- Até que foi rápido. – disse Lanir, assim que notou a presença de James. – Sabe como montar um cavalo?

- É claro que sim. Adoro animais, mesmo que aqui na cidade não tenhamos muitos.

- Então suba neste aqui, ele é bem forte, carregará você e os suprimentos. – o mensageiro pegou o garoto pela cintura e o levantou para lhe ajudar a montar.

James olhou para o cavalo com atenção. Ele parecia realmente muito resistente; tinha os músculos da perna avantajados e a pele densa. Era certamente um animal de carga, adaptado às condições mais frias, ideal para aquela época do ano. Talvez não fosse extremamente rápido, mas seria um animal difícil de ser derrubado.

Já Lanir montara em uma égua marrom, era esquia e de belo porte; provavelmente um cavalo de corrida.

- Vamos, nossa viagem pode ser longa...

- E para onde vamos? – perguntou James enquanto se ajeitava na sela; seu cavalo talvez fosse grande demais para o seu corpo miúdo.

- Para a Floresta Escura.

- Para a Floresta Escura? Não tem medo de ir para lá? Ouvi coisas terríveis daquele lugar.

Lanir fitou o garoto com olhos cuidadosos. Ele realmente parecia assustado. E era natural, esperaria por aquele tipo de reação. Mas de alguma maneira, por toda a maturidade que James aparentara até então, tinha esquecido de que ele não passava de um menino, de alguém ainda muito novo e inexperiente.

- Não se preocupe, eu tenho um plano. Mas antes precisamos chegar até lá, o caminho será longo. E temo que as estradas talvez já não sejam tão seguras. – Lanir tentava soar descontraído, apesar de falar de assuntos sérios. – Primeiro vamos ao posto de vigia nos pés das cordilheiras. De lá pensaremos em como chegar a Floresta Escura de maneira rápida.

James pareceu ficar um pouco mais calmo.

- E você sabe as coisas que vivem por lá? Sabe das histórias que o povo conta?

Os dois começaram a trotar para fora da cidade.

- Claro que sim. – Lanir sorriu. – Mas não se preocupe com elas, nem todas são verdadeiras.

O garoto foi novamente tomado por uma expressão assustada.

- Mas isso quer dizer que algumas são?

- Sim... mas somente as melhores. – o mensageiro desta vez deixou escapar uma risada alta. – O povo é que não sabe lidar com elas.

James olhou para Lanir um pouco intrigado. Seus medos ainda eram grandes, mas pela expressão corporal e pelo modo como o mensageiro falava da floresta, podia jurar que ele parecia conhecê-la realmente bem, parecia ter uma familiaridade fora do comum com o lugar; e isso já bastava para deixá-lo mais tranqüilo. Por hora, era melhor não pensar mais no assunto e se focar em seu primeiro objetivo: chegar até o primeiro posto de vigia.


--- Próximo capítulo: A estrada dos reinos ---