Sunday, May 16, 2010

Cap. 6 - Observações no Escuro

Nota: segue mais uma parte, menor desta vez. Espero ter tempo esta semana (embora tenha MUITA coisa para ler e fazer) de colocar uma atualização grande, na pior das hipóteses até domingo, mas tentarei antes. Quem só começou a acompanhar o projeto, clique aqui e veja todos os capítulos.


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Lia Tharathon olhava para a movimentação no pátio do castelo da janela do alto da torre onde Sir Brickmond descansava. Com muito cuidado, fazia com que as cortinas escondessem quase todo seu corpo, só os olhos espreitavam para saber o que os outros generais poderiam estar tramando. Atrás dela, Thomas Brickmond repousava, deitado em sua cama. A doença continuava a se espalhar, a comida, que antes conseguia o revigorar, agora já não mais fazia efeito, como se o próprio corpo tivesse desistido da luta.

Lia cuidava dele, com toda atenção, todos os dias, como Gabriel gostaria que ela fizesse. Ainda assim, tinha outras preocupações. O general Malenberg continuava muito quieto, deixara de se opor a tudo que ela dizia como fizera no início; provavelmente tramava alguma coisa, ela podia sentir.

Do alto da torre, observava, todas as noites. Mensageiros percorriam a cidade inteira, visitavam a casa de vários nobres e depois retornavam ao castelo; reportavam-se diretamente a Malenberg. Definitivamente, um golpe era preparado; ela precisaria reagir, ou melhor, teria de entrar em cena antes que tudo estivesse perdido.

Wednesday, May 12, 2010

Cap. 5 - A Estrada dos Reinos (Parte II)

Nota: segue mais um pedaço da história. Não sei se poderei manter uma periodicidade tão constante, mas gostaria; o problema são minhas obrigações com meu mestrado. Agora, tentarei escrever e postar sempre! Para quem acaba de conhecer o site: clique aqui e veja todos os capítulos.


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- Bem na hora, cavaleiros! – disse o general enquanto já colocava Duna em uma marcha lenta e imponente. – Não esperava nada de diferente de soldados treinados por Robert.

Os guardas da cidade olharam para Gabriel com orgulho. Receber elogios de um lendário combatente como ele não era coisa que acontecesse todos os dias.

- E por que veio até aqui? – perguntou um dos homens.

- Meu Rei me enviou, tenho uma mensagem para Sir Lance.

- Oh... certo, então é melhor levarmos você logo para dentro da cidade. Venha, venha.

Naturalmente, os soldados tinham algumas dúvidas sobre como Gabriel encontrara aquelas criaturas, não esperavam que elas já estivessem tão próximas dos dois reinos, mas preferiram não fazer mais perguntas. Primeiro, por se tratar de um general, alguém que não lhes devia satisfação. E segundo, por saberem que a mensagem que ele trazia devia ser de suma importância. Se Sir Brickmond tinha enviado o seu braço direito, seu principal amigo e guerreiro, era porque a situação deveria realmente ser muito delicada.

A pequena milícia rapidamente retornou à cidade, o imenso portão de ferro fora novamente fechado. O reino de Sir Lance era uma fortaleza, a cidade humana mais bem guarnecida de todo o continente. As muralhas eram altas e largas, feitas de puro concreto; as casas dos nobres e o castelo ainda ficavam em um nível separado, também por de trás de espessas fortificações.

Os soldados escoltaram Gabriel, que era observado com olhos atentos por toda a população: era a primeira vez que o Cavaleiro Negro pisava naquela cidade, algo de muito ruim deveria ter acontecido. A população, àquela altura, já sabia bem do ataque feito pelas criaturas; o medo, portanto, crescia a cada segundo, ainda mais quando notavam o braço de Gabriel, que ainda exibia cortes profundos, apesar de todo o seu esforço em costurar corretamente os ferimentos.

Em pouco tempo, o general já se via em frente a Sir Robert Lance, que, assim como ele, fora um dos heróis e sobreviventes da batalha na Planície da Grande Guerra. Apesar de muitos anos terem se passado, ele ainda mantinha um vigor físico impressionante. Os músculos ainda proeminentes, os cabelos negros e fartos. Os anos tinham sido muito mais gentis com Robert do que com Sir Brickmond.

- O que o traz aqui? – perguntou ele, sentado em seu trono, enquanto Gabriel lhe fazia uma reverência respeitosa. – Vejo que está machucado.

- Sim, fui atacado por algumas criaturas enquanto vinha para cá. – respondeu o general, um pouco vacilante; este era exatamente o tipo de informação que poderia atrapalhar os seus planos. Thomas queria convencer Robert de que fugir do continente era uma escolha ruim. Admitir que as criaturas já estavam tão próximas certamente não traria benefícios.

Sir Lance se levantou imponente. Era um homem grande, forte, sempre vestindo a sua armadura; uma cota de malha toda feita em prata e perfeitamente conservada. Ele parecia, de algum modo, satisfeito.

- Eu falei a vocês. Elas já estão muito perto, muito perto, não podemos arriscar nosso povo assim, você sabe disso, garoto.

- Senhor, - iniciou Gabriel, com muita cordialidade. – será que pode dispensar os outros guardas, acho que devemos discutir este assunto sozinhos.

Sir Lance aceitou a sugestão e fez um gesto para que todos se retirassem.

- Com todo o respeito, senhor, acho que está enganado.
Robert se sentou.

- Por que diz isso? – seu tom de voz era calmo, como se realmente quisesse escutar o que Gabriel tinha a dizer.

- Foram, no total, cinco criaturas que me atacaram. Três me emboscaram no cânion, as outras me alcançaram depois, provavelmente sabendo que eu escapei. Você sabe como elas funcionam.

Robert apenas assentiu com a cabeça.

- São muitas, criaturas demais, mesmo se elas já estivessem de fato próximas. Se estivessem próximas o suficiente para que cinco delas me avistassem, já teríamos sido avisados pela Grande Torre Vigia, o senhor sabe disso.

- Sim... é verdade, não tinha pensado nisso...

- Pois então, eram batedores, vieram investigar. Acho até muito estranho que tenham me pego sozinho.

- De fato... de fato... então... elas não estão assim tão próximas. – iniciou Sir Lance enquanto se levantava e andava vagarosamente na direção de Gabriel. – Mas isso não significa que mudarei minha posição. – disse, ao passar pelo general e continuar caminhando até o centro do salão.

Gabriel suspirou.

- Thomas está morrendo, senhor... talvez já tenha até morrido.
Sir Lance parou abruptamente, não arriscou mover um músculo sequer.

- Mo... morrendo?

- Sim, senhor. – o general se virou.

- Como assim?

- Ele está doente já faz algum tempo, imagino que já saiba disso. As coisas pioraram, por isso ele me enviou.

Robert se virou para fitar Gabriel.

- E ele está tão mal assim?

- Infelizmente, senhor.

- Eu não esperaria por isso, não agora, num momento como esses, não Thomas, logo ele... – Sir Lance parecia desnorteado; tateava o ar inutilmente como se procurasse por alguma coisa em que se apoiar.

- Ele quer ver você. Me enviou aqui, porque ele quer vê-lo por uma última vez. – o general soava sério, procurava conter a própria tristeza. – Não pode atrasar um pouco seus planos de partida para vê-lo?

Robert fitou o nada por um tempo, ainda sem saber como reagir; pensava. Sir Brickmond talvez fosse o único verdadeiro amigo que tivera em toda a sua vida. Era muito triste saber que em breve ele poderia morrer, ou que já até tivesse morrido; era a pior notícia que recebera em anos.

- É claro, como não. As... criaturas... elas... não estão tão próximas... acho que posso sim... ou melhor... eu vou. Mandarei que preparem a escolta real e partiremos, o quanto antes! – afirmou Sir Lance, convicto, ao se recuperar do baque causado pela notícia e tomar a sua decisão.

- Como quiser, senhor. – respondeu Gabriel, não conseguindo esconder um sorriso de satisfação, enquanto novamente cumprimentava o rei com uma reverência tradicional. – Parto junto com seu exército assim que ordenar.

Thursday, May 6, 2010

Cap 5. - A Estrada dos Reinos (Parte I)

Nota: Mais uma vez, desculpo-me pela demora. Hoje posto um trecho normal, mas espero postar um trecho curto, que completa este capítulo em breve. Depois, não sei como será a periodicidade dos textos, farei uma postagem para explicar melhor a situação e pedir sugestões dos leitores. Quem ainda não leu a série, pode conferir aqui todos os capítulos.

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Gabriel cavalgava. Cortava as montanhas feito o vento; mais rápido do que qualquer cavaleiro, mais sábio e destemido do que qualquer general. Corria por seu povo e, principalmente, por seu mestre e amigo, o homem que tudo lhe ensinara, que lhe acolhera como um pai que ele nunca tivera. O rosto permanecia resoluto. Viajara por cinco dias na estrada que conectava o reino de Thomas ao de Sir Lance; passava agora por um imenso cânion que perfurava as cordilheiras rochosas. Não pretendia descansar, sabia que poderia ganhar um pouco mais de terreno, confiava em Duna, a égua negra em que montava, um animal magnífico que lhe fora dado por um membro do Povo das Fadas. Teríah-Duna era o seu nome completo, significava a “beleza do lago”. Nunca conhecera égua tão forte e tão rápida. Com ela, participara de inúmeras batalhas, mesmo sozinho, sem que as tropas inimigas o derrubassem.

Quando se aproximava do final do cânion, uma surpresa. Uma figura negra caiu do alto de um dos lados dos paredões rochosos poucos metros a sua frente. Gabriel puxou as rédeas de Duna, a égua empinou e parou. O vulto negro se levantou e tomou forma: era uma das criaturas. O corpo de cerca de dois metros e meio se curvava levemente para frente; os braços compridos, os músculos proeminentes, sólidos como pedras, e as garras expostas e afiadas. A criatura andou alguns passos para frente, as pernas, três vezes mais largas do que os braços, levemente friccionadas, como se um ataque pudesse acontecer a qualquer momento; o longo rabo negro, com uma espécie de navalha na ponta, balançava vagarosamente.

Gabriel recuou um pouco, puxou as rédeas para a direita e se virou para o lado oposto. Atrás dele, outras duas criaturas fechavam o caminho da volta, também em posição de ataque. O general permaneceu calmo. Desceu do cavalo e puxou a espada que estava embainhada na sela; bateu o pé três vezes no chão e Duna recuou para perto do paredão rochoso à esquerda dos dois.

As criaturas se aproximavam, avançavam a exata mesma distância no exato mesmo tempo, os passos em simetria. Gabriel sabia desta característica, da espécie de sintonia que havia naquela raça; tinha a consciência de que os ataques seriam simultâneos: bateu duas vezes o pé, Duna raspou a pata direita no chão.

As três criaturas saltaram, seu potencial atlético era impressionante: cada uma delas foi capaz de sair cerca de um metro e meio do chão. Duna se atirou na direção da criatura que fechava o caminho da frente e atacava sozinha, acertando-lhe as pernas. Ao receber o impacto, a criatura se desequilibrou e deu um giro no ar; foi quando Gabriel desferiu um golpe mortal com a espada em seu pescoço.

A batalha, porém, estava longe de terminar. O general sabia que precisaria ser muito rápido. Podia sentir a aproximação dos outros dois monstros. Os ataques seriam simultâneos, disso ele sabia; precisava pensar em como evitar recebê-los ao mesmo tempo. Em uma fração de segundos, girou o corpo, deu um pulo para a direita e cravou a espada no coração da segunda criatura. Depois, ainda teve tempo de defender o terceiro ataque; aparou a garra de seu último inimigo ainda vivo.

Por alguns segundos, ele e Gabriel se encararam, medindo forças: a espada ainda em contato com as garras do monstro. De repente, o rabo se enrolou no punho do general e, então, desceu. A navalha fez um corte profundo. Gabriel soltou a espada e curvou o corpo, levando a mão ao braço ensangüentado. A criatura trincou os dentes, que se estendiam pela boca levemente deslocada para frente, e depois pronunciou algo em um tom gutural; a frase soava mais ou menos como “Ahk ín ahk ankra”.

Gabriel a fitou com raiva, ela levantou a mão para o golpe final. Quando abriu a guarda, o general puxou um punhal de sua bota e, num movimento extremamente rápido, cravou-o no peito da criatura, que logo caiu para trás, ainda semi-viva. Gabriel a observou por um tempo, o sangue pingava de seu braço direito. Sabia que tinha escapado por muito pouco. Era considerado quase impossível se livrar de uma emboscada como aquela, com aqueles monstros. Pior ainda era saber que eles já andavam pelas montanhas, que já estavam tão perto das cidades, tão próximos aos habitantes indefesos. Tinha de ser rápido: não havia mais tempo para descansar.

Quando a criatura finalmente deu seu último suspiro de vida, o general arrancou o punhal de seu peito e foi até Duna. Pegou uma camisa velha, agulha e linha para costurar o ferimento no braço. Assim que terminasse, partiria sem descansar até que completasse a sua missão.

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Os guardas olhavam para o horizonte. Na planície que cercava o forte de Sir Lance, três figuras negras se aproximavam em grande velocidade, ainda longe demais para serem identificadas. A movimentação dos exércitos já se iniciava na muralha; o portão de ferro, a única entrada para a cidade, fora selado. As três figuras continuavam a se aproximar, aos poucos se tornavam mais identificáveis; os guardas as fitavam atentos, a tensão crescia.

- Capitão!! É o Cavaleiro Negro, capitão! O Cavaleiro Negro sendo perseguido por duas das criaturas.

- O quê? Tem certeza? Tem certeza de que é Gabriel?

- Positivo, senhor. Veja! – exclamou o homem enquanto entregava uma pequena luneta ao seu superior. O capitão a pegou prontamente e a direcionou aos três vultos que se aproximavam; logo deixou escapar uma expressão de espanto.

- Sim, é ele, é ele! Guardas, montem em seus cavalos, há um homem se aproximando que precisa de nossa ajuda.

Os portões da cidade se abriram. Gabriel olhou a cena com prazer, esperava por aquilo desde o momento em que precisara cavalgar com as criaturas a seu encalço. Fazia quase dois dias que era perseguido, estava cansado e preocupado com as forças de Duna. Por mais que ela fosse uma égua excepcional, deveria se sentir cansada. Por isso, ainda não tinha se livrado de seus perseguidores, para poupá-la; poupá-la justamente para esse momento, o instante em que abririam os portões.

Cinco guardas montados e armados partiram em alta velocidade em auxílio ao general. Eram homens destemidos; novos, porém inspirados pelo fato de que ajudariam o grande Cavaleiro Negro, um dos maiores combatentes daquele continente; talvez até mesmo o maior, uma vez que seu rei, Sir Robert Lance, e também Thomas Brickmond já haviam abandonado os campos de batalha.

Assim era conhecido Gabriel por todos os outros povos: era aclamado com o Cavaleiro Negro, um pouco pelas vestimentas que costumava a usar nos combates – a capa escura e a armadura preta – e um pouco por sua montaria. E ele cavalgava, agora, destemido e seguro, mantendo as criaturas a uma distância considerável. Enquanto olhava os homens de Sir Lance se aproximarem, pensava em suas possibilidades. Além se sua espada, ainda poderia contar com uma pequena besta e uma lança que prendera na sela de Duna.

As criaturas continuavam a perseguição; corriam lado a lado, os passos, como sempre, simétricos, marcados. Estavam um pouco confusas, porém. Nunca tinham imaginado que um cavalo pudesse cavalgar tão rápido e por tanto tempo; nunca um soldado conseguira fugir deles em um campo aberto.

Gabriel as olhava com alguma preocupação, mas não tinha medo de que elas o alcançassem, confiava plenamente em Duna, sua fiel companheira. Tinha mesmo era de pensar em um modo de distraí-las, quem sabe até separá-las; precisava fazer com que elas não notassem a movimentação da pequena milícia de Sir Lance que agora se aproximava.

Sacou a besta e reduziu a velocidade de sua cavalgada. As criaturas chegaram mais perto. A égua deveria estar cansada... finalmente... finalmente poderiam atacar, já não agüentavam mais a perseguição... humano insolente. De repente, o tiro. A criatura da esquerda deu um salto para frente, por sobre Duna e Gabriel, para desviar da seta da besta. Agora, elas tinham o general onde queriam: cercado. E como eram tolas. A milícia de Sir Lance tinha chegado. As flechas zuniram, atingindo as costas da criatura que saltara por cima de Gabriel. Pouco tempo depois, vieram as lanças, arremessadas à distância com extrema precisão: a segunda criatura estava morta.

- Bem na hora, cavaleiros! – disse general enquanto já colocava Duna em uma marcha lenta e imponente. – Não esperava nada de diferente de soldados treinados por Robert.