Saturday, March 27, 2010

Periodicidade das postagens

Infelizmente, tive que mudar meus planos em relação aos textos do projeto. Mas não se preocupem. Ainda farei de tudo para garantir que haverá ao menos uma publicação por semana. Nas semanas que eu tiver mais tempo, posso ainda postar duas vezes, quem sabe três. Então vocês ainda terão uma boa quantidade de material para ler, embora eu não tenha como garantir as duas postagens semanais que pretendia. Isso acontece, porque, além de meus outros projetos, preciso iniciar a minha Tese de Mestrado e, como sou pago para fazê-la, é melhor dedicar um bom tempo a ela.

Nesta semana, acabei não atualizando por ter mexido um pouco no nosso fórum. Agora ele está com cara nova, muito mais clean e mais bonito. Entrem lá e participem, tem um pessoal muito legal.

Tuesday, March 16, 2010

Cap. 4 - Partidas (Parte II)

Nota: Em breve farei um comunicado pelo site do projeto, pretendo postar 2 pedaços da história por semana. Enfim, continuem acompanhando. Caso gostem, divulguem também entre amigos! Para quem ainda não leu nada da história, confira todos os capítulos aqui.

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Lanir retornou à Taverna dos Robinson tão imerso em seus pensamentos que mal notou o intenso movimento do lugar enquanto se deslocava até o seu quarto. Alguns clientes, inclusive, lançaram-lhe olhares incisivos, sem entender o que um homem maltrapilho como aquele fazia em uma taverna bem freqüentada.

Ele pouco se importava; planejava o que faria mais à frente, quando já contaria com a companhia de James e partiria para a Floresta Escura. Era crucial que encontrassem o menino das profecias o quanto antes. O tempo se esgotava, ele sabia disso, sabia que as criaturas estavam cada vez mais próximas, que, a cada dia desperdiçado, elas fechariam mais o cerco ao Reino dos Homens.

- Senhor Lanir... – sussurrou Irina, ao abrir uma pequena fresta da porta do quarto com cuidado. – Podemos entrar?

O mensageiro apenas assentiu com a cabeça. A porta se abriu. Davis, James e Irina entraram lentamente.

- Foi você quem falou com Gabriel, não foi? Eu vi. Lá na praça. – afirmou Davis. – Você falou com ele. Estão dizendo que foi você quem o fez cancelar o torneio.

Lanir respondeu de maneira seca e direta, embora mantivesse ainda um tom agradável.

- Sim, fui eu.

Davis e Irina entreolharam-se, estavam um pouco confusos. O que aquele homem poderia ter a ver com assuntos reais? Apesar dos fatos estarem a favor de sua afirmação, ainda era difícil de acreditar; nunca o tinham visto pela corte ou sequer pela cidade...

- Eu disse a vocês que ele era diferente, que sabia de alguma coisa. Vocês não acreditaram em mim... – James riu.

- Silêncio, querido. – interrompeu a sua mãe enquanto lhe fazia um carinho na cabeça. – Vamos ouvir o que o homem tem a falar.

Lanir se levantou, cruzou os braços por trás das costas e fitou longamente os olhos de cada um. Alguma coisa em sua postura, em sua presença, dava-lhe credibilidade. Não parecia mais um mendigo, um homem maltrapilho, mas um cavaleiro de épocas distantes, das lendas declamadas pelos bardos.

- Eu tenho uma missão importantíssima a realizar em nome de vosso rei, uma empreitada que pode salvar a toda a humanidade. Vossas famílias já sentem o medo imposto pelas criaturas; uma escuridão constante se aproxima, um período de guerras e tristezas. Eu vim para cumprir uma profecia, para ajudar a salvar o Reino dos Homens.

O mensageiro falava com convicção, com chamas nos olhos, com confiança. Por mais absurda que a história parecesse, por algum motivo, Davis e Irina simplesmente não conseguiam deixar de acreditar nela; as palavras de Lanir soavam-lhes extremamente sinceras. E realmente eram. James sempre soubera disso.

- Sei que o que digo parece estranho, mas é a verdade, simples assim. Eu precisava de um companheiro para me acompanhar nas viagens, já o encontrei, não precisamos mais realizar o torneio.

- Você trabalha mesmo para o rei? – perguntou Davis, ainda um pouco receoso e surpreendido. – E se hospedou com a gente?

- Eu queria conhecer a cidade, sabia que ela me mostraria o caminho certo. Encontrei nesta casa meu companheiro. É seu irmão, James. Se ele quiser poderá me acompanhar em minha empreitada, poderá me ajudar em uma missão de suma importância a toda a humanidade.

Lanir sequer piscava. A voz soava calma e poderosa, como anos antes, no dia em que entregara o presente dos dragões a Sir Thomas Brickmond e a Sir Robert Lance. Havia algo de diferente nele, uma espécie de certeza reconfortante. Parecia ser impossível contrariá-lo, opor-se a ele seria tolice; a simples idéia de acreditar no que era dito, no poder de sua voz, trazia uma segurança que a família Robinson não podia recusar. Certamente aquele homem falava a verdade.

- Você vai levar meu filho com você, então? Quando pretende sair? – perguntou Irina, com extrema naturalidade.

Lanir sorriu.

- Vamos agora até o castelo. Lá, tudo será decidido. E ficará provado que não minto para vocês.

Davis e Irina apenas concordaram com a cabeça: não precisavam de provas, mas fariam questão de acompanhá-lo até os aposentos reais, gostavam da idéia de poder encontrar Sir Thomas Brickmond por mais uma vez.

Já James mal podia se conter: seus olhos brilhavam. Era certo que o coração pesava, o medo tentava tirar o gosto daquela notícia, a notícia que ele esperara por toda a sua vida. Seu espírito aventureiro, porém, falava mais alto. Ele sonhava em viajar pelo mundo, conhecer lugares diferentes, lutar para salvar a humanidade; tinha certeza de que isso o faria sentir seu pai mais próximo do que nunca. Às vezes até achava estranho: não sabia como podia amar tanto um pai que sequer conhecera.

A família seguiu o mensageiro até o castelo. Os guardas, já devidamente avisados, deixaram-nos passar. Era estranho como as coisas tinham mudado tão rapidamente, como o caçula da família, de um dia para o outro, parecia destinado aos grandes feitos. Davis e Irinia se sentiam orgulhosos: James sempre se mostrara mais atento aos detalhes do que qualquer pessoa que tivessem conhecido. Era um menino inteligente e corajoso. E por mais que a empreitada parecesse perigosa, eles sentiam que tudo ficaria bem, pelo menos enquanto Lanir estivesse por perto.

- Você atacou aquele guarda, não foi? – perguntou James, assim que os quatro passaram pela porta que dava para o salão do trono.

O mensageiro o fitou com um olhar de curiosidade.

- E como sabe?

- Este bastão com esta navalha na ponta que você carrega, tem uma lasca de metal azul. Só os guardas reais utilizam esta pigmentação nas armaduras. Aquele homem não pareceu muito feliz com sua presença, nos deixou passar com... ahm... um pouco de... desgosto.

Lanir riu.

- Está certo. Foi isso mesmo. Eles não queriam me deixar passar de maneira educada, eu estava com pressa... enfim. Mas ninguém se machucou, fique despreocupado.

- Tudo bem, não achei que fosse nada sério, só fiquei curioso. – retrucou James, feliz por ter acertado em suas conclusões.

- Bom que seja observador, precisaremos disso na viagem.

Assim que o mensageiro terminou sua frase, a família parou diante do trono real, de onde Sir Thomas Brickmond os fitava em silêncio, e fez uma grande reverência. James sentiu o rosto corar, era a primeira vez que ficava tão próximo de um homem tão importante, um homem que, mais até do que ser rei, fora um grande amigo de seu pai.

Tuesday, March 9, 2010

Cap. 4 - Partidas (Parte I)

Nota: Como sempre, para aqueles que não acompanharam os capítulos anteriores, você pode conferir todas as partes da história aqui.

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Gabriel, como sempre, fez uma leve reverência pouco antes de dar um relatório minucioso do que acontecera durante o dia a Sir Thomas Brickmond. A amizade deles vinha de épocas já distantes, e mesmo Sir Brickmond não exigia tais formalidades, mas o general tinha prazer em demonstrar o máximo de respeito diante de seu Rei: ele o admirava, amava-o como um pai. Se havia se tornado um grande combatente e um dos maiores comandantes daquele tempo, devia tudo isso a ele, a sua generosidade e sabedoria. Triste era pensar que a doença agora o debilitava, tornava-o um alvo fácil a possíveis opositores. Gabriel sentia um peso no coração ao pensar que precisaria deixar o castelo e partir em direção ao reino de Sir Lance; tinha medo do que poderia acontecer a Sir Thomas Brickmond caso não estivesse presente.

- Quer dizer que Lanir já escolheu quem irá o acompanhar? – perguntou o rei.

- Sim, ele disse que sim. – respondeu Gabriel, prontamente. – Falei para que ele nos encontrasse aqui. Creio que o senhor gostará de lhe dar algumas instruções.

Thomas riu com algum esforço, a doença já se alastrava por seu corpo, tomava-lhe as forças... não sabia quanto tempo ainda poderia ficar sentado no trono. Em breve, sabia ele, estaria preso a uma cama, aos cuidados de outros, e o brilho de seu passado glorioso seria finalmente ofuscado por suas limitações humanas. Seus feitos eram lendários, seriam eternizados em grandes histórias e canções, mas ele era mortal, de carne e osso, frágil como todos os outros. Este era um pensamento que até o animava, por mais estranho que possa parecer; ele finalmente não se sentia diferente. Não era rei, não era herói, não era um lendário general; era um homem, simplesmente um homem, como sempre sonhara ser.

- Não se preocupe, Gabriel. Nada terei a falar ao mensageiro. Ele sabe muito mais do que eu, sempre soube. Mas irei querer presentear seu companheiro, a viagem deles será muito difícil. Vá até meus aposentos e traga as armas. Quem quer que viaje com o mensageiro merecerá levá-las.

O general fez novamente uma reverência e caminhou para fora da sala do trono. Achara estranha a decisão de Sir Brickmond, mas não iria discordar. As armas eram artefatos muito poderosos, eram lendárias: o escudo e a espada que tinham salvado a humanidade, o presente das fadas, as matadoras de dragões. Era estranho pensar que seu Rei pudesse entregá-las assim a um desconhecido. Sem sombra de dúvida, era uma atitude arriscada: mais uma demonstração de fé nas convicções do mensageiro. Desde aquela noite, a noite em que Raugh fora derrotado, Sir Brickmond mostrara uma confiança fora do comum em Lanir... talvez soubesse de algo que ninguém sabia. Ele era assim mesmo, guardava muitos segredos, conhecia muito bem o mundo, mas não gostava de falar muito sobre isso, apenas indicava o caminho a seus servos. E era por isso que Gabriel o respeitava, por isso seguia suas ordens sem reclamar; tinha completa confiança em Sir Brickmond, sabia que, em épocas de crise, ele saberia qual a decisão certa a se tomar.

Pegou a espada na mão, assim que a retirou do baú colocado embaixo da cama de Thomas. Era linda e leve, já a tinha tocado em algumas outras oportunidades. O cabo era dourado, com algumas inscrições que não compreendia, e a lâmina fria e fina. Quem não conhecesse as lendas, poderia até a julgar de maneira equivocada: parecia uma espada frágil, débil demais para penetrar a pele de um dragão; uma arma bonita, porém não muito poderosa. O mesmo seria dito do escudo: era triangular, com bordas douradas, tão leve que aparentava fraqueza; certamente se quebraria ao primeiro impacto.

Um olhar mais atento, porém, não se deixaria enganar. As armas eram fortes, sólidas, apesar de suaves e graciosas. Ainda mantinham um tênue brilho branco, quase imperceptível, uma aura mágica e poderosa. Poderia ser a imaginação de Gabriel, mas ele sentia uma onda de confiança e energia tomar todo seu corpo assim que as empunhava. Sempre gostara disso, durante todos aqueles anos, todas as vezes que Thomas o permitira tocá-las. Mas ultimamente não sentia tanto prazer, algo dentro de si o perturbava... talvez aquelas armas fossem poderosas demais...

Ele retornou à sala do trono. Sir Brickmond o esperava, andava de um lado para o outro, parecia pensativo. Assim que percebeu a entrada de Gabriel, deteve-se e tornou a se sentar. O general se ajoelhou a sua frente. Com as duas mãos esticadas, entregou-lhe as armas.

- Aqui estão elas, meu Rei, como me foi pedido.

Thomas abriu um sorriso, gostava muito de Gabriel.

- Está certo – ele disse, enquanto pegava as armas e as colocava sobre seu colo. – Agora temos de esperar pela chegada do mensageiro. Você sabe quem ele escolheu?

- Não, senhor. Ele só me informou que já tinha feito a escolha.

- Uhm... está certo... mas estou curioso... quem será o tal rapaz? – murmurou Sir Brickmond, mais para si do que para seu general. Depois, voltou a sorrir. – Bem... creio que esta será uma questão para a qual logo terei a resposta.

- Posso lhe fazer uma pergunta? – indagou Gabriel, com um tom nitidamente cauteloso.

- Claro que sim. Você pode sempre me perguntar o que quiser.

- As armas... por que acha que as fadas lhe deram?

Thomas se levantou vagarosamente do trono e se deslocou até a janela mais próxima, dali podia ver quase todo o seu reino. Nos seus olhos, havia uma expressão distante, enevoada, como se ele quisesse reviver os momentos do passado. Aquela não era a primeira vez que se confrontava com tal pergunta, Gabriel podia sentir.

- Eu... sinceramente... não sei... – disse Sir Brickmond, como se lhe faltassem forças para continuar ponderando. – Isso nunca fez muito sentido para mim... mas sempre tentei ser otimista. Espero que tenha sido por uma boa causa.

Gabriel nada disse, apenas concordou.

- Você sabe como é... dragões e fadas nunca se deram muito bem...

O general fez um sinal de afirmativo por mais uma vez.

- Creio que a possibilidade de um ser vil como Raugh tomar o mundo era assustadora demais até mesmo para o povo das fadas...

- Pode ser... – sussurrou Gabriel.

- Enfim... – disse Sir Brickmond, ao retirar os olhos da janela para fitar por mais uma vez seu general. – Não sabemos se o mensageiro ainda demorará a chegar. Preciso que você vá o quanto antes para o reino de Sir Lance, é muito importante que você o traga aqui.

- Certo... farei o que me pedir...

- Muito bem, então. Resolva tudo o que precisar resolver o mais rápido que puder e parta. Sua missão é de extrema importância.

- Está certo. Partirei em muito breve. – afirmou Gabriel enquanto se virava e andava para fora da sala do trono. Ele sabia o que tinha de fazer... tinha a convicção de que não poderia deixar Sir Brickmond desprotegido; precisava falar com sua mulher.

Monday, March 8, 2010

Aviso quanto à periodicidade

Segue aqui um texto meu falando sobre a periodicidade das postagens aqui do Legado que coloquei lá em nosso querido fórum! Quem não cadastrou, sinta-se convidado a se cadastrar e participar!!

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Desde o carnaval que não venho atualizando o projeto com a constância que eu gostaria. Muita gente veio falar que já não aguentava mais esperar por um pedaço novo da história. Realmente sei que o bom mesmo é ir colocando os pedaços em trechos não muito grandes, mas colocar sempre, com muita rapidez e constância.

Finalmente me organizei, separei um horário para escrever quase todo dia somente para O Legado. Então, esperem por um bom número de atualizações, com mais velocidade, a cada 2 ou 3 dias no máximo, até para dar tempo do pessoal ler; pelo menos é essa a idéia.

Friday, March 5, 2010

Cap. 3 - A Taverna dos Robinson (Parte II)

Coloco finalmente a parte final do terceiro capítulo aqui. Mas não se preocuopem, meus horários agora estão organizados, as atualizações serão ainda mais constantes. Adicionei a esta parte o último parágrafo do pedaço anterior, achei que era bom deixá-lo aqui para os leitores entrarem no clima. E como sempre: nunca leu nada da história? Confira aqui todos os capítulos.

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Ele entrou em seu quarto e parou por algum tempo em frente à janela. Dali, conseguia ver a rua, a escuridão que tomava conta da cidade: uma noite fria e silenciosa. Quase todos dormiam, poucos ousavam sair durante as noites, o pavor criado pelas criaturas – pois eram assim que começaram a chamar aquela nova raça que tinha surgido e que agora ameaçava a humanidade – impedia as pessoas de sair, aterrorizava: e se algum deles estivesse escondido na esquina? Talvez fosse um medo irracional, mas ainda assim tinha algum cabimento. Lanir sabia... podia sentir que eles estavam cada vez mais próximos.

Ele fechou a janela, como se quisesse deixar a noite do lado de fora, e desceu para jantar. À mesa já estavam James, Davis e a mãe, que atendia pelo nome de Irina. O mensageiro se sentou e começou a comer sem dizer sequer uma palavra; conseguia perceber que, embora a família fosse muito simpática e sociável, sua presença causava um certo desconforto.

- Mãe... – iniciou Davis, com a voz abafada, pois colocara uma quantidade considerável de carne na boca. – Ouvi dizer... hoje mais cedo... que amanhã o general Gabriel Tarathon vai realizar um torneio. Falam que o vencedor vai participar de uma tarefa muito importante.

Lanir parou de comer por uns instantes, aquela conversa lhe interessava.

- Mas isso é muito bom. – disse a mãe, enquanto se levantava e colocava mais um pouco de comida na mesa; pães, geléia e uma garrafa de vinho. – Você tem treinado muito, não tem? Pode ser a sua chance!

- É irmão. – começou James, enquanto cortava calmamente um pedaço de pão. – Você pode se tornar um grande guerreiro. Quem sabe não pode me levar com você? – o garoto levou um pedaço do pão à boca e mastigou sem pressa. – E Senhor Lanir, você sabe alguma coisa sobre esse torneio? Me pareceu tão quieto assim que Davis tocou no assunto.

O mensageiro olhou lateralmente para o garoto, ele era realmente observador; talvez fossem os anos trabalhando como atendente na taverna, mas já era a segunda vez naquela noite que ele se mostrara inquietantemente perceptivo.

- Eu? – Lanir riu. – Olhe para mim. Que poderia eu saber sobre tal assunto?

Davis e Irina também deixaram escapar algumas risadas. Sabiam como James podia ser desconfiado – e como tinha uma imaginação às vezes exageradamente fértil. O garoto não achou graça; continuou comendo, ainda um pouco contrariado.

- Desculpe pelo meu filho, senhor. Ele é assim mesmo, muito... ahm... criativo, vamos dizer assim.

Lanir apenas sorriu. O jantar continuou sem muitas outras conversas; todos pareciam famintos e também cansados demais para qualquer tipo de discussão. James ainda comia quieto, olhando para o mensageiro de vez em quando; tinha uma forte intuição de que ele escondia alguma coisa.

Assim que todos se deram por satisfeitos, Davis e Irina desfizeram a mesa e, logo, retiraram-se para seus aposentos. Lanir ainda ficou sentado por um tempo, encarando James em silêncio. Quando se preparava para subir ao seu quarto, o garoto, que até então ainda comia lentamente seu pedaço de pão, pegou-lhe pelo braço.

- Venha. Tenho algo para te mostrar!

James levantou e puxou o mensageiro até a entrada do porão. Eles desceram as escadas, estava tudo muito escuro, devia ser difícil de enxergar os degraus. Mas o garoto parecia habituado a fazer o caminho, mexia-se com desenvoltura. Logo acendeu um pequeno lampião e uma luz tênue iluminou todo o cômodo, que era bem maior do que Lanir esperava. Ao seu lado, embaixo da escada, repousavam duas grandes bestas; eram armas antigas, de tamanho muito maior do que as convencionais, ele se lembrava bem: tinham sido utilizadas na Grande Guerra, eram muito efetivas contra os dragões. Possuíam pouco mais de um metro de comprimento e podiam ser usadas por uma só pessoa, desde que fosse muito habilidosa. Na guerra, Sir Brickmond e seus guerreiros derrubaram muitos dos aliados de Raugh com aquelas armas; foi por isso que, no final, restaram tão poucos homens: os dragões atacavam preferencialmente os exércitos de Thomas como uma forma de se defender.

Mais adiante, quase no fundo do porão, havia ainda três grandes alvos e outras duas bestas, desta vez de tamanho convencional. James segurava uma delas e a fitava com um ar levemente melancólico.

- Essas armas foram de meu pai... – ele disse.

Lanir se sentou na escada, estava disposto a escutar o que o garoto tinha a lhe dizer, tinha gostado dele; parecia ser um menino muito bom e também muito esperto.

- Ele participou da Grande Guerra, sabe... foi um grande caçador de dragões, era um dos homens de confiança de Thomas. Ele morreu em combate. Sir Brickmond ficou com muita pena da gente e nos deu esta casa para que montássemos a taverna. Eu nunca conheci meu pai, nasci pouco tempo depois da guerra... isso é tudo o que me resta dele... as suas armas. É por isso que pratico todo dia, assim me sinto próximo dele.

O garoto caminhou até onde Lanir estava e se sentou ao seu lado. Estava muito triste; lutava para evitar que as lágrimas lhe fugissem dos olhos. O mensageiro pegou a besta de sua mão e a examinou com cuidado.

- É uma bela arma, sem dúvida. Seu pai deveria ser um grande arqueiro.

O garoto soluçou.

- Era o melhor, era o melhor...

- Sim, sim... deveria ter percebido isso desde o começo. O nome dele era Alexius, não? Alexius Robinson. – o mensageiro sorriu.

- Como você sabe? – os olhos de James se iluminaram.

- Eu o vi derrotar alguns dragões junto do pequeno grupo que ele comandava. Foram três ao todo. Seu pai era um homem muito corajoso.

James se levantou da escada para encarar Lanir de frente e abriu um largo sorriso; gostara de ouvir tais palavras, gostara ainda mais de conhecer alguém que vivenciara a Grande Guerra, alguém que conhecera seu pai.

- Você estava lá?! Eu estava certo, não é? Você sabe bem mais coisas do que as pessoas pensam!

Lanir fez um sinal de positivo com a cabeça, sabia que de nada adiantaria mentir para o menino.

- Por que não me mostra o que sabe fazer com isso? – perguntou ele enquanto colocava a besta novamente nas mãos de James.
O garoto deixou escapar um sorriso confiante.

- Pode deixar.

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Ao longo de muitas horas, Lanir e James permaneceram no porão. O garoto se animara em mostrar para o mensageiro tudo o que ele sabia fazer com as pequenas bestas. Atirava com duas ao mesmo tempo, em movimento, quase sem tempo para mirar, enfim, fazia tarefas cada vez mais difíceis e, raramente, acertava longe do centro do alvo. Os dois também conversavam, o mensageiro lhe falava sobre a Grande Guerra, descrevia os dragões, especialmente Raugh, o Destruidor. A luta entre ele e Thomas Brickmond foi narrada por mais de cinco vezes: James realmente se interessava por aquela parte da história.

Quando o cansaço tomou conta de ambos, eles se despediram e se retiraram aos seus quartos para dormir. Lanir estava especialmente preocupado: precisaria resolver algumas coisas bem cedo no dia seguinte.

Logo pela manhã, disparou em direção à praça. Conforme Davis tinha informado, um torneio seria anunciado por Gabriel. A multidão era grande, a expectativa também. No meio de todo o povo, no centro da praça, estava Gabriel, todo vestido de branco. Dois guardas que o acompanhavam soaram as trombetas, o anúncio do torneio ocorreria em breve.

Lanir passou pelo meio dos moradores da cidade aos empurrões, quase não teve tempo de chegar onde Gabriel estava antes que ele se pronunciasse. O general o fitou com curiosidade quando o viu sair do meio da multidão: o que será que o mensageiro queria agora?

- Gabriel... – sussurrou Lanir. – Cancele o torneio, já sei quem irá me acompanhar...

O general pareceu desconfortável; olhou para a multidão a sua volta por uns instantes e depois se voltou ao mensageiro.

- Você me diz isso logo agora?

Lanir sacudiu os ombros, como que pedindo desculpas. Gabriel levantou a cabeça novamente e fitou às pessoas a sua volta. Agora que já tinham soado as trombetas, todos esperavam por um anúncio seu. Não podia mais falar do torneio, mas ainda assim precisava dar alguma grande notícia aos presentes.

- Senhoras e senhores, prestem atenção, estou hoje aqui como porta-voz de nosso Rei, o grandioso cavaleiro Thomas Brickmond. – a praça ficou em silêncio, todos estavam ansiosos. – Ele sabe que passamos por momentos turbulentos, um período em que o medo toma conta de cada canto de nossos corações. Não temam, queridos súditos, nosso Rei saberá ser piedoso com aqueles que o seguem. Os impostos, senhoras e senhores, serão reduzidos! Haverá mais comida para suas famílias nesse momento difícil, e juntos poderemos enfrentar esse período de instabilidade, poderemos defender nosso povo e nossas famílias!

Um burburinho se espalhou por toda a praça. Alguns reclamavam, insatisfeitos: esperavam pelo anúncio de um grande torneio. Mas a maioria gritava em comemoração, especialmente as mulheres, que tanto sofriam para racionar o pouco alimento que tinham. Gabriel puxou o mensageiro pelo braço e deixou a praça, seus guardas o escoltavam.

- Espero que tenha um bom motivo para ter me forçado a fazer isso... Sei que Sir Thomas não irá se importar, mas muitos nobres irão reclamar desta decisão. Chame o guerreiro que irá lhe acompanhar e siga até o castelo. Eu e Sir Brickmond estaremos esperando. – dizendo isso, o general deu um tapa amigável nas costas de Lanir e se perdeu em meio à multidão.

O mensageiro permaneceu parado, olhando para a massa de camponeses que seguia Gabriel quase como em uma comitiva. Era hora de voltar à taverna e falar com a família Robinson: precisava convencê-los a deixar que James o acompanhasse.