Monday, February 22, 2010

Cap. 3 - A Taverna dos Robinson (Parte I)

Nota: Caso não tenham acompanhado a história desde o início, vocês podem checar todo os capítulos aqui.

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A noite estava escura, sempre mais escura, Lanir podia sentir. Nos últimos tempos, os dias pareciam cada vez mais tenebrosos, a própria natureza se tornava sombria, anunciava períodos conturbados num futuro próximo. O mundo era sábio, percebia as coisas antes dos homens; ensinava. Tolos eram aqueles que não viam.

Do lugar de onde estava sentado na praça, mal conseguia ver as poucas pessoas que passavam; esperava pacientemente que o movimento cessasse e que sobrassem apenas os homens mais destemidos e aventureiros – além, é claro, dos menos virtuosos – a vagar pelas ruas. Lanir vigiava com interesse o movimento em uma taverna que, por algum motivo, parecia-lhe mais iluminada do que as outras: havia algo de diferente naquele lugar, era preciso investigar.

Após se certificar de que o restante da cidade dormia, decidiu se deslocar até lá: era o único local em que ainda havia algum movimento. Um agradável cheiro de carne assada e vinho o aturdiu assim que passou pela porta de entrada. Ficou surpreendido. Esperava por um estabelecimento mal cuidado, povoado por bêbados e valentões, como costumava ver nas demais tavernas que visitara. Ali, tudo parecia diferente. Uma música alegre ecoava por todos os cantos; algumas pessoas dançavam, outras comiam com calma e prazer. Havia também mulheres, não concubinas, mas donzelas, filhas de pessoas de bem. Se não tivesse certeza de que nada de importante acontecia na cidade naquele dia, diria que aquilo era uma festa, algum tipo de comemoração que mobilizara grande parte dos moradores.

Um jovem percebeu a sua entrada e veio lhe atender. Era um garoto novo, não devia ter mais de dezesseis anos; era magro, cabelos pretos e desgrenhados, vestia um avental branco. Certamente era alguém que trabalhava no lugar e percebera a chegada de um novo cliente.

- Olá, senhor. Bem-vindo a Taverna dos Robinson. Em que posso ajudar? – perguntou.

- Ahm... sou novo na cidade, apenas procurava por uma boa taverna. – respondeu Lanir, com um sorriso no rosto.

- Esta é a melhor da cidade, senhor. Mas temos regras. Não servimos álcool ao ponto de deixar nenhum cliente bêbado e não toleramos brigas ou comportamento inapropriado.

Lanir riu.

- Não acha estranho isso para uma taverna?

O garoto sacudiu os ombros, parecia despreocupado.

- Bom, quem não quiser vir, não venha. Estas são as regras de minha mãe. Até hoje, tudo deu muito certo. Somos o lugar mais movimentado de toda a cidade.

Lanir deu mais uma olhada em volta. As pessoas continuavam a dançar, comer e se divertir. Mais ao fundo, havia ainda um homem tocando piano. Era um rapaz forte, ainda jovem, mas com idade suficiente para lutar. Ao seu lado, repousava uma longa espada, algo inesperado em meio ao ambiente festivo.

- Aquele é meu irmão. Davis Robinson. Ele faz parte do exército, é um grande combatente. É ele quem garante a segurança na taverna. – explicou o garoto, antes mesmo que o mensageiro pudesse perguntar.

- Ah... compreendo. Você é um menino esperto... qual o seu nome?

- Sou James Robinson. E o senhor, como se chama?

- Pode me chamar de Lanir. – respondeu o mensageiro, ao começar a se movimentar pela taverna. – Será que você pode me levar até a sua mãe? Gostaria de falar com ela.

O garoto sorriu, procurava ser simpático, era assim que sempre tratava os clientes. Por mais que o homem a sua frente estivesse mal vestido e parecesse até mesmo um pouco suspeito, era melhor atendê-lo de maneira cordial. Como sua mãe sempre lhe dizia: faça o bem, não importa a quem. Ela adorava este tipo de frases, sempre as utilizava quando queria lhe ensinar alguma coisa. E James também gostava delas, por mais desgastadas que fossem; às vezes até as recitava para os clientes como forma de entretenimento.

- Bom, é só seguir até o bar. – o garoto apontou para uma senhora de idade já bem avançada que servia duas canecas de cerveja para alguns clientes. – Aquela é a minha mãe. Ela ficará feliz em atendê-lo.

Lanir agradeceu e caminhou em direção à mulher. Ela tinha os traços de uma pessoa trabalhadora, de alguém que abdicara de sua vida e de sua juventude para cuidar dos filhos. As mãos que seguravam os copos estavam calejadas, o rosto enrugado, com profundas olheiras que denunciavam o acúmulo de cansaço ao longo dos anos.

- Boa noite, minha cara senhora. – recitou Lanir, com a voz mais agradável que tinha.

A mulher levantou a cabeça e o olhou com atenção. Apesar das roupas esfarrapadas, conseguiu notar algo de diferente no mensageiro, não só no tom de voz, mas também no olhar vivo e penetrante.

- Olá, meu bom senhor. Quer alguma coisa para beber ou para comer?

- Não, não, estou satisfeito. – respondeu Lanir ao se sentar em um banco colocado em frente ao balcão do bar. – Preciso de um lugar para dormir. Não conheço a cidade, gostaria de saber se poderia ficar aqui por esta noite.

A mulher pareceu um pouco desconsertada.

- Me desculpe, senhor, mas não somos uma estalagem. Isso aqui é uma taverna normal.

Lanir deixou escapar uma risada simpática e discreta: não desistiria tão facilmente.

- Mas eu sou novo na cidade, não tenho para onde ir, será que não poderia fazer essa caridade?

A mulher baixou os olhos e começou a esfregar o balcão com um pano, quase que por extinto, enquanto tentava tomar uma decisão. Lanir esperava pacientemente; sabia que ela acabaria o aceitando. Era uma pessoa boa, de bom coração, como quase todos naquele estabelecimento. E pessoas assim nunca deixariam alguém necessitado sem amparo.

- Tudo bem. – ela respondeu. – Mas somente por esta noite. Suba aquela escada, você pode ficar no segundo quarto à direita.

O mensageiro sorriu.

- Muito obrigado, não sei como poderei agradecê-la.

- Não se preocupe. Deixe suas coisas lá em cima. – ela parou e o fitou por uns instantes – Isso se você tiver alguma coisa. E depois desça, iremos jantar daqui a pouco. Só eu, você e meus filhos. Em breve, os clientes irão embora.

Lanir fez um sinal de afirmativo com a cabeça e subiu. Ficara decididamente impressionado com aquela família e com aquele lugar; precisava de pessoas assim para a sua empreitada, gente que colocava o bem-estar dos outros acima do seu, indivíduos altruístas e decididos que nunca desistiriam de uma batalha caso tivessem de defender os seres humanos.

Ele entrou em seu quarto e parou por algum tempo em frente à janela. Dali, conseguia ver a rua, a escuridão que tomava conta da cidade: uma noite fria e silenciosa. Quase todos dormiam, poucos ousavam sair durante as noites, o pavor criado pelas criaturas – pois eram assim que começaram a chamar aquela nova raça que tinha surgido e que agora ameaçava a humanidade – impedia as pessoas de sair, aterrorizava: e se algum deles estivesse escondido na esquina? Talvez fosse um medo irracional, mas ainda assim tinha algum cabimento. Lanir sabia... podia sentir que eles estavam cada vez mais próximos.

Saturday, February 13, 2010

Um atraso devido ao carnaval

Faço este post só para avisar que durante o carnaval pretendo sim escrever mais partes do livro, mas não irei postar aqui, pois muita gente viaja e acabaria não entrando mesmo para ler os textos. Prometo que assim que eu mesmo voltar de viagem, o que deve acontecer só no domingo que vem, tornarei a postar os capítulos e a trazer novidades do mundo da Literatura de Fantasia. Um grande abraço a todos e boas festas!

Tuesday, February 9, 2010

Enquete: Qual livro de Fantasia você quer?

Como o intuito do projeto é divulgar novos autores, faço uma enquete para que o pessoal que vem acompanhando "O Legado" possa, além de conhecer histórias de autores nacionais, também levar para casa exemplares de tais autores. Com a ajuda do @cristiano1105, que administra o excelente site sobre fantasia Criando Testrálios, selecionei 3 autores promissores para vocês. Façam suas escolhas e votem na enquete colocada na barra da direita!! 

Filhos de Galagah, de Leandro Reis - Primeiro livro de uma série a ser lançada pelo autor, no mundo de Grinmelken. Vocês podem conferir um entrevista com o autor aqui. E podem visita um site muito legal sobre o livro e sobre Grinmelken, com direito a um trailer bem legal: cliquem aqui.

Crianças da Noite, de Juliano Sasseron - O livro narra a aventura de um vampiro que se infiltra numa poderosa seita e descobre um valioso segredo, guardado desde a época da criação, e dá início a uma verdadeira guerra. Uma guerra que para se vencida necessitará de uma improvável união dos vampiros. Leia uma entrevisat com o autor aqui. Confira também o blog de Juliano Sasseron.

Rede de Sonhos, de Felipe Pan - Arthur Ceneda é um jovem de dezessete anos que, como qualquer outro estudante prestes a terminar sua vida colegial, leva uma vida muito agitada ao ter que conciliar seus problemas pessoais com seu futuro acadêmico. Contudo, quando o garoto recebe de presente de aniversário um fantástico objeto capaz de conectar os sonhos das pessoas, chamado “Sonífero”, sua vida muda completamente e ele tem ao seu alcance um incrível mundo novo e irreal, sem fronteiras ou até mesmo limites de tempo – a Rede de Sonhos. Confiram uma entrevista com o autor aqui. Vejam o blog de Felipe Pan.

Saturday, February 6, 2010

Cap. 2 - Quinze anos depois... (Parte II)

Nota: Quem não leu o primeiro capítulo, pode começar a conferí-lo clicando aqui. A relação de capítulos pode ser vista na parte de Capítulos do site.


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- Eles não queriam me deixar entrar, então não tive escolha. – disse ele, com um sorriso irônico no rosto. – Parece que você não está assim tão bem protegido.

- Ora... – Sir Brickmond parou por alguns segundos, como se estivesse com dificuldades de falar. – se não é o mensageiro.

- Sim, sou eu. – disse Lanir, agora em tom sério e autoritário. – Imagino que já esperasse por minha visita.

Sir Brickmond apenas fez um sinal de positivo com a cabeça. Os generais e nobres presentes na sala se entreolhavam: não conseguiam compreender o que acontecia. Por que o rei se daria ao trabalho de falar com um homem que se apresentava como um miserável?

- Vocês estão dispensados, senhores. Thomas falará comigo a partir de agora. – afirmou Lanir.

O general Malenberg sacou a espada em uma velocidade extraordinária e a colocou no pescoço do mensageiro.

- Quem você pensa que é para invadir os aposentos do rei assim? Quem você pensa que é para atacar os meus subordinados? – disse enquanto olhava para os dois soldados desacordados aos seus pés.

- Guarde esta espada e saia. – ordenou Lanir, em um tom seco e resoluto. Seus olhos se mantinham fixos nos do general, sua expressão corporal demonstrava total segurança, como se a espada não lhe representasse qualquer ameaça. Malenberg hesitou, quase deu um passo para trás: quem era aquele homem?

- Escutem o que ele diz. – afirmou Sir Brickmond. – Vocês estão dispensados, deixem-nos sozinhos.

- Mas precisamos decidir o que faremos! Que absurdo é esse? – retrucou Malenberg, em tom desafiador.

Sir Brickmond fez um esforço para se levantar de seu trono e fitou seu general com um olhar severo: o olhar de um rei, de um lendário combatente, de um homem digno de devoção. Por alguns instantes, foi possível distinguir um brilho opaco do passado, um vislumbre da glória daquele que foi o maior herói que aquele continente já vira.

- Isso é uma ordem. Saiam... e sem discussões.

Os generais e nobres se entreolharam por mais uma vez, pareciam extremamente contrariados, mas naquele momento não conseguiam juntar forças para se opor às ordens do rei. Saíram calados, com exceção de Gabriel, que permanecia sempre ao lado de Thomas.

- Garoto... – iniciou Lanir, com um sorriso no rosto. – Vejo que cresceu... não é mais o menino assustado que conheci faz quinze anos.

- Pois é. E você não mudou nada, não envelheceu um dia sequer, talvez deva nos ensinar o segredo. – brincou Gabriel.

- Não é um segredo, bom garoto, é um fardo... Mas não foi isso que vim discutir. Onde está o menino que lhes entreguei?

Sir Brickmond voltou a se sentar no trono, estava ofegante, como se a ordem que acabara de dar tivesse sugado quase toda a energia de seu corpo. A doença avançava, ele sabia disso; tinha de resolver as coisas o mais rápido possível: precisava falar com Sir Lance.

- Na Floresta Escura, – respondeu. – achei que ele ficaria bem por lá se a profecia feita pelos dragões estivesse correta. Lá, a magia da floresta o protegeria.
O mensageiro começou a andar lentamente de um lado para o outro da sala, a cabeça baixa e os olhos enevoados, como se calculasse com cuidado o que deveria fazer.

- Sim... sim... você estava certo, mas isso atrasará com certeza os meus planos... precisamos buscar o menino... e precisamos fazer isso logo.

- Eu posso ir até a floresta com você, nós podemos... – dizia Gabriel quando Sir Brickmond o interrompeu.

- Não. Preciso que você vá até o reino de Sir Lance, preciso que o traga até aqui antes que seja tarde demais para mim.

- Tem certeza? – retrucou o general. – Não quer enviar um mensageiro? Buscar o menino nas florestas parece ser uma tarefa mais importante.

- Gabriel... – recomeçou Sir Brickmond, ainda com dificuldades para falar. – Robert não virá a não ser que eu mande você. Ele sabe o quanto somos próximos. Além disso, você é bom com as palavras, saberá convencê-lo.

O general apenas assentiu com a cabeça. Se Thomas queria que ele fosse até Sir Lance, era isso que ele faria. Enquanto isso, Lanir continuava a andar de um lado para o outro da sala, bem lentamente, ainda decidindo tudo que deveria ser feito. Após alguns minutos, finalmente parou em frente ao trono e começou a falar com calma e segurança.

- Está certo, então. Gabriel falará com Robert. Eu irei para a floresta, mas não posso ir sozinho, quero levar alguém de seu reino comigo, alguém destemido e valoroso, alguém capaz de carregar a esperança de todo um povo sobre seus ombros. Organize um torneio para amanhã mesmo, assim escolheremos quem irá me acompanhar.

- Tudo bem. – afirmou Sir Brickmond – Gabriel, organize o que o mensageiro pediu e depois parta o quanto antes.

Mais uma vez, o general apenas assentiu com a cabeça.

- E quanto a você, mensageiro, quer que eu mande preparar um quarto de hóspedes?

- Não. Eu prefiro conhecer um pouco mais desta cidade.

- Mas já é noite, não há muito que se ver, em breve estarão todos dormindo. – retrucou Sir Brickmond.

Lanir sorriu.

- Não se preocupe comigo, eu sei muito bem o que estou fazendo.

- Tudo bem. Faça como quiser.

Friday, February 5, 2010

O Hobbit - Filme (Informações)

Imagino que muitos, assim como eu, estejam ansiosos para saber mais sobre a adaptação para os cinemas do livro O Hobbit, de J.R.R. Tolkien. Confesso que fiquei muito satisfeito com a trilogia de Senhor dos Anéis e tenho grandes espectativas para este filme. Fico triste pelo fato de Peter Jackson (que dirigiu a trilogia) ter ficado apenas com o cargo de produtor executivo devido a alguns impedimentos, mas creio que Guillermo Del Toro também saberá construir um filme excelente.

Para início de conversa, O Hobbit será dividido em duas partes, de modo a conseguir transpor para as telas o máximo possível dos livros. Ian Mckellen (O Gandalf) já está certo para o papel. A produção do filme também procura acertar a partipação de Hugo Weaving (Elrond) e Cate Blanchett (Galadriel).

A notícia ruim é de que o longa, que tinha previsão de estréia para 2011, só deverá ser lançado no último trimestre de 2012.

Aqui segue uma entrevista excelente com o diretor Guillermo Del Toro sobre o filme O Hobbit.

Tuesday, February 2, 2010

Cap. 2 - Quinze anos depois... (Parte I)

Nota: Quem não leu o primeiro capítulo, pode começar a conferí-lo clicando aqui. A relação de capítulos pode ser vista na parte de Capítulos do site.

Após o desfecho da Grande Guerra, o Reino dos Homens prosperou por longos anos. Os feudos de Sir Thomas Brickmond e Sir Robert Lance cresceram, tornaram-se dois imensos reinos: as duas grandes forças do continente. Por muito tempo, a paz prevaleceu, a bondade no coração das pessoas, a vontade de ajudar, de dividir. Os homens se espalharam, montaram pequenas vilas e cidades ao longo de todo o mapa, para além da Cidade de Mármore, que por algum motivo permanecia intocada e inóspita. Era como se as pessoas simplesmente optassem por ignorá-la, mantê-la inabitada, talvez com o medo de que um dia os dragões voltassem e reclamassem aquilo que era deles por direito.

Nos últimos meses, porém, a situação de calmaria começou a mudar, a humanidade estava assustada: uma nova ameaça surgira, um grupo de seres estranhos que aparecera nas Grandes Cordilheiras Vulcânicas, um conjunto de montanhas até então inexploradas ao extremo sul das terras de Sir Robert Lance. Eram seres cruéis e hábeis, cerca de meio metro maiores do que os mais altos humanos, e de um vigor físico e uma agilidade excepcionais. Possuíam peles escuras e resistentes; e as garras afiadas eram mais terríveis do que as armas construídas pelos melhores artífices.

Ninguém sabia de onde tinham surgido, muitos especulavam sobre o assunto. Alguns diziam que deveria ser uma raça que habitava as cordilheiras e o sul do continente fazia anos, uma espécie que se sentiu ameaçada com o crescimento abundante da humanidade. Mas poucos acreditavam nesta teoria. A violência e organização daqueles seres eram grandes demais para que se pudesse concordar com tal afirmação. Eles cresciam em número abundante, atacavam, planejavam, espionavam; queriam sem sombra de dúvidas firmar um império, dominar a tudo e a todos que cruzassem o seu caminho.

Em poucos meses, tomaram todo o sudeste do continente. Alguns rumores ainda afirmavam que algumas de suas tropas já teriam atravessado o Grande Rio e começado a estender sua dominação na direção da Cidade de Mármore. Não demoraria muito e chegariam aos reinos de Sir Brickmond e Sir Lance.

O pavor crescia. A sensação de impotência diante desta nova ameaça estava próxima ao limite; muitos já especulavam bater em retirada, fugir em busca de terras mais seguras. Sir Robert Lance era um destes. Apesar de ser um general corajoso, simplesmente não conseguia imaginar uma estratégia de defesa viável. Aqueles seres eram mais ágeis, mais fortes e mais numerosos; vencer era uma tarefa praticamente impossível. E o que lhe parecia ainda mais assustador: nas vezes em que lutara contra as criaturas, podia jurar que elas se moviam quase que simultaneamente nos campos de batalha. Era como se pudessem se comunicar telepaticamente, como se algo as conectasse e fortalecesse, dando-lhes uma potência até então jamais vista em qualquer exército humano. Lutar, portanto, não era possível. Era preciso fugir, fugir o quanto antes.

Sir Brickmond discordava de tais idéias, mas única e simplesmente por acreditar no que os dragões haviam lhe prometido anos antes. A situação caótica em que se encontravam apenas fortalecia o que o mensageiro Escudeon Lanir tinha profetizado: o bebê, que agora já deveria ser um jovem, teria de salvar a humanidade; não restava dúvida de que ele era a única esperança.

A sua saúde, entretanto, impedia-o de procurar pelo garoto nas florestas. Sir Thomas Brickmond já não era mais um jovem, não tinha mais o vigor de antigamente; estava muito doente, sabia que desta vez acabaria sendo vencido. A maioria de seus servos ainda seguia as suas ordens, especialmente Gabriel Tarathon, seu braço direito desde a época da Grande Guerra, mas todos tinham consciência de sua condição frágil, o que dava motivos para que alguns ousassem duvidar de suas palavras; um homem tão debilitado talvez não estivesse apto a tomar as importantes decisões incumbidas a um governante.

- Nós não iremos fugir. – disse Sir Brickmond, calmamente, sentado em seu trono, depois que dois de seus supremos generais haviam questionado suas idéias no Conselho do Reino.

Em uma grande mesa, não muito distante do trono real, sentavam-se Gabriel, alguns nobres e quatro outros generais para discutir o que deveria ser feito naquela época de crise. Aproveitando-se da fraqueza de Sir Brickmond, Herbert Malenberg, um exímio combatente que, por mais de uma vez, enfrentara as criaturas que ameaçavam o Reino dos Homens, decidira se opor às ordens reais e sugerir que, junto a Sir Lance, Thomas também decidisse deixar o continente.

- Você diz isso por não ter enfrentado esses monstros. Todos aqui sabem: da última vez que bati de frente com eles, quase não voltei vivo. Quase todos os meus homens foram mortos, droga! – gritou Herbert enquanto dava um soco na mesa. – Você sabe bem como nos sentimos quando falhamos assim, Thomas! Acho que a velhice o fez esquecer de como pode ser cruel um campo de batalha.

O general Malenberg falava com sentimento e convicção. Era um homem habilidoso, forte, que já tinha passado por muitas batalhas. Tinha cabelo curto, músculos proeminentes e muitas cicatrizes de batalhas. Era, sem dúvida alguma, um dos homens mais respeitados de todo reino. Sua palavras seriam ouvidas com muita atenção por todos os membros do Conselho.

- Nós não podemos vencer! Sir Lance sabe disso, você sabe disso. Que tipo de esperança você tem? Não nos mate a todos! Por favor... – o general balançava a cabeça negativamente. – Não condene o seu próprio povo.

Quando Malenberg terminou o seu apelo, Gabriel se levantou muito lentamente para tomar a palavra; assim como o general, ele também era muito respeitado, era uma referência dentre os comandantes de todos os exércitos do continente. Desde a Grande Guerra, tinha seguido os ensinamentos de Sir Brickmond e se tornado um general sábio e poderoso, um homem que sabia também lidar com a palavra e administrar com facilidade os seus subordinados: tornara-se um líder competente e carismático.

- Eu também acho que não poderemos vencer. Eles estão em maior número, eles são mais fortes, mais rápidos e têm uma capacidade de organização inumana. Certamente, parece uma batalha perdida, não creio que sairemos vencedores. – Gabriel falava com calma, expressava-se em tom claro e seguro, procurando sempre que possível os olhos daqueles com quem falava. – Quinze anos atrás, foi também assim que me senti. Quando só sobramos eu, Thomas e outros cinco homens em um campo de batalha contra o mais terrível dragão que já existiu, pensei que sairíamos derrotados, achei que aquele seria o fim. E convenhamos. – Gabriel deu uma risada. – Eu estava certo, quem poderia parar um dragão como aquele? Mas ele foi parado. Sir Thomas Brickmond o derrotou... sozinho. Se ele diz que temos uma chance, creio que o melhor seja acreditar nele.

Um silêncio tomou conta de todo o Conselho. De algum modo, Gabriel tinha razão. Sir Brickmond sempre fora um visionário, alguém capaz de fazer o que outros achavam impossível. Talvez, mesmo já velho e quase incapacitado, ainda devessem lhe dar crédito; talvez fosse melhor confiar em suas decisões.
Já um pouco menos confiante, o general Malenberg se levantou por mais uma vez. Não sabia exatamente como se opor ao argumento de Gabriel, mas precisava tentar, precisava provar a todos na sala que estava certo, tinha de encontrar uma forma de convencê-los.

No momento em que ia começar o seu discurso, a porta do salão se abriu com um estrondo e dois soldados deslizaram pelo chão. Os generais presentes rapidamente colocaram as mãos em suas espadas, prontos a atacar quem quer que entrasse. Sir Brickmond, porém, fez um gesto para que eles se acalmassem. Um homem mal vestido, carregando um bastão de madeira, mais ou menos de sua altura e com uma navalha em cada extremidade, passou pela porta. Era um homem conhecido, tinha cabelos grisalhos e barba cheia, porém curta e bem aparada: era Escudeon Lanir, o Mensageiro dos Dragões.