Tuesday, March 9, 2010

Cap. 4 - Partidas (Parte I)

Nota: Como sempre, para aqueles que não acompanharam os capítulos anteriores, você pode conferir todas as partes da história aqui.

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Gabriel, como sempre, fez uma leve reverência pouco antes de dar um relatório minucioso do que acontecera durante o dia a Sir Thomas Brickmond. A amizade deles vinha de épocas já distantes, e mesmo Sir Brickmond não exigia tais formalidades, mas o general tinha prazer em demonstrar o máximo de respeito diante de seu Rei: ele o admirava, amava-o como um pai. Se havia se tornado um grande combatente e um dos maiores comandantes daquele tempo, devia tudo isso a ele, a sua generosidade e sabedoria. Triste era pensar que a doença agora o debilitava, tornava-o um alvo fácil a possíveis opositores. Gabriel sentia um peso no coração ao pensar que precisaria deixar o castelo e partir em direção ao reino de Sir Lance; tinha medo do que poderia acontecer a Sir Thomas Brickmond caso não estivesse presente.

- Quer dizer que Lanir já escolheu quem irá o acompanhar? – perguntou o rei.

- Sim, ele disse que sim. – respondeu Gabriel, prontamente. – Falei para que ele nos encontrasse aqui. Creio que o senhor gostará de lhe dar algumas instruções.

Thomas riu com algum esforço, a doença já se alastrava por seu corpo, tomava-lhe as forças... não sabia quanto tempo ainda poderia ficar sentado no trono. Em breve, sabia ele, estaria preso a uma cama, aos cuidados de outros, e o brilho de seu passado glorioso seria finalmente ofuscado por suas limitações humanas. Seus feitos eram lendários, seriam eternizados em grandes histórias e canções, mas ele era mortal, de carne e osso, frágil como todos os outros. Este era um pensamento que até o animava, por mais estranho que possa parecer; ele finalmente não se sentia diferente. Não era rei, não era herói, não era um lendário general; era um homem, simplesmente um homem, como sempre sonhara ser.

- Não se preocupe, Gabriel. Nada terei a falar ao mensageiro. Ele sabe muito mais do que eu, sempre soube. Mas irei querer presentear seu companheiro, a viagem deles será muito difícil. Vá até meus aposentos e traga as armas. Quem quer que viaje com o mensageiro merecerá levá-las.

O general fez novamente uma reverência e caminhou para fora da sala do trono. Achara estranha a decisão de Sir Brickmond, mas não iria discordar. As armas eram artefatos muito poderosos, eram lendárias: o escudo e a espada que tinham salvado a humanidade, o presente das fadas, as matadoras de dragões. Era estranho pensar que seu Rei pudesse entregá-las assim a um desconhecido. Sem sombra de dúvida, era uma atitude arriscada: mais uma demonstração de fé nas convicções do mensageiro. Desde aquela noite, a noite em que Raugh fora derrotado, Sir Brickmond mostrara uma confiança fora do comum em Lanir... talvez soubesse de algo que ninguém sabia. Ele era assim mesmo, guardava muitos segredos, conhecia muito bem o mundo, mas não gostava de falar muito sobre isso, apenas indicava o caminho a seus servos. E era por isso que Gabriel o respeitava, por isso seguia suas ordens sem reclamar; tinha completa confiança em Sir Brickmond, sabia que, em épocas de crise, ele saberia qual a decisão certa a se tomar.

Pegou a espada na mão, assim que a retirou do baú colocado embaixo da cama de Thomas. Era linda e leve, já a tinha tocado em algumas outras oportunidades. O cabo era dourado, com algumas inscrições que não compreendia, e a lâmina fria e fina. Quem não conhecesse as lendas, poderia até a julgar de maneira equivocada: parecia uma espada frágil, débil demais para penetrar a pele de um dragão; uma arma bonita, porém não muito poderosa. O mesmo seria dito do escudo: era triangular, com bordas douradas, tão leve que aparentava fraqueza; certamente se quebraria ao primeiro impacto.

Um olhar mais atento, porém, não se deixaria enganar. As armas eram fortes, sólidas, apesar de suaves e graciosas. Ainda mantinham um tênue brilho branco, quase imperceptível, uma aura mágica e poderosa. Poderia ser a imaginação de Gabriel, mas ele sentia uma onda de confiança e energia tomar todo seu corpo assim que as empunhava. Sempre gostara disso, durante todos aqueles anos, todas as vezes que Thomas o permitira tocá-las. Mas ultimamente não sentia tanto prazer, algo dentro de si o perturbava... talvez aquelas armas fossem poderosas demais...

Ele retornou à sala do trono. Sir Brickmond o esperava, andava de um lado para o outro, parecia pensativo. Assim que percebeu a entrada de Gabriel, deteve-se e tornou a se sentar. O general se ajoelhou a sua frente. Com as duas mãos esticadas, entregou-lhe as armas.

- Aqui estão elas, meu Rei, como me foi pedido.

Thomas abriu um sorriso, gostava muito de Gabriel.

- Está certo – ele disse, enquanto pegava as armas e as colocava sobre seu colo. – Agora temos de esperar pela chegada do mensageiro. Você sabe quem ele escolheu?

- Não, senhor. Ele só me informou que já tinha feito a escolha.

- Uhm... está certo... mas estou curioso... quem será o tal rapaz? – murmurou Sir Brickmond, mais para si do que para seu general. Depois, voltou a sorrir. – Bem... creio que esta será uma questão para a qual logo terei a resposta.

- Posso lhe fazer uma pergunta? – indagou Gabriel, com um tom nitidamente cauteloso.

- Claro que sim. Você pode sempre me perguntar o que quiser.

- As armas... por que acha que as fadas lhe deram?

Thomas se levantou vagarosamente do trono e se deslocou até a janela mais próxima, dali podia ver quase todo o seu reino. Nos seus olhos, havia uma expressão distante, enevoada, como se ele quisesse reviver os momentos do passado. Aquela não era a primeira vez que se confrontava com tal pergunta, Gabriel podia sentir.

- Eu... sinceramente... não sei... – disse Sir Brickmond, como se lhe faltassem forças para continuar ponderando. – Isso nunca fez muito sentido para mim... mas sempre tentei ser otimista. Espero que tenha sido por uma boa causa.

Gabriel nada disse, apenas concordou.

- Você sabe como é... dragões e fadas nunca se deram muito bem...

O general fez um sinal de afirmativo por mais uma vez.

- Creio que a possibilidade de um ser vil como Raugh tomar o mundo era assustadora demais até mesmo para o povo das fadas...

- Pode ser... – sussurrou Gabriel.

- Enfim... – disse Sir Brickmond, ao retirar os olhos da janela para fitar por mais uma vez seu general. – Não sabemos se o mensageiro ainda demorará a chegar. Preciso que você vá o quanto antes para o reino de Sir Lance, é muito importante que você o traga aqui.

- Certo... farei o que me pedir...

- Muito bem, então. Resolva tudo o que precisar resolver o mais rápido que puder e parta. Sua missão é de extrema importância.

- Está certo. Partirei em muito breve. – afirmou Gabriel enquanto se virava e andava para fora da sala do trono. Ele sabia o que tinha de fazer... tinha a convicção de que não poderia deixar Sir Brickmond desprotegido; precisava falar com sua mulher.

5 comentário(s):

Débora said...

Uuhhh, mistério.. poste logo o próximo capítulo *-*

A propósito, parabéns!! Tá ficando muito bom!!

de Dai para Isie said...

Parabéns, Léo! Está ficando cada vez melhor... A descrição das armas ficou excelente; senti como se eu fosse o próprio Gabriel.

Unknown said...

Parabéns! Adorei sua forma de narrar e a história está bem interessante. Espero o próximo capitulo!

Unknown said...

amigo, acertou na descrição das armas, muito bem feito. deu quase para pegar as duas na mão. vc se baseou em algum tipo de mitologia? (pergunto isso por conta da antipatia entre fadas e dragões) abs

Leonardo Schabbach said...

Não, é mais coisa da minha cabeça mesmo. Eu criei ai um cenário bem específico para essa aventura, com uma cultura própria e etc... algumas coisas são logicamente emprestadas de histórias clássicas, como os dragões, por exemplo, mas muita coisa é criada sem inspiração em outros tipo de mitologia.